Mostra política do Festival de Brasília exibe filme pernambucano
Camocim, dirigido pelo francês Quentin Delaroche, investiga novas formas de ação política no Estado
Maya, que usa blusa com capuz, fotografa o candidato César Lucena
Ponto Produções/Divulgação
Ernesto Barros
Além da mostras competitivas de curtas e longas-metragens, o 50º Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro ganhou várias mostras paralelas, algumas que lembraram o passado – com a 50 Anos em 5 – e outras voltadas para questões atuais. Em virtude da história combativa do festival, uma das mais comentadas foi a mostra Terra em Transe, influenciada pelo ícônico filme de Glauber Rocha, que trouxe cinco titulos que tratam diretamente de temas políticos. No último dia do festival, que se encerra neste domingo (24/9) com a cerimônia de premiação, a Terra em Transe vai exibir, às 15h30, no Cinema Brasília, o longa-metragem Camocim, dirigido pelo francês Quentin Delaroche e produzido pelas pernambucanas Dora Amorim e Thaís Vidal, da Ponte Produções.
No começo do ano, Camocim participou do Miami Film Festival, no programa Encuentros (para filmes em fase de finalização), onde ganhou o prêmio máximo. É no Festival de Brasília que o documentário vem a público pela primeira vez. No filme, Quentin Delaroche acompanha os esforços da cabo eleitoral Mayara, de 23 anos, que resolve fazer uma campanha limpa para tentar eleger seu candidato, o amigo César Lucena, também jovem como ela. Durante a campanha, Mayara leva César para o corpo a corpo com os eleitores e organiza quase todas as ações até o dia das eleições, que aconteceram em 2016.
Como muitas cidades brasileiras, Camocim de São Félix, na Zona da Marta Norte de Pernambuco, fica em pé de guerra de quatro em anos, quando os partidos lançam seus candidatos, divididos pelas cores vermelha e azul como se fosse um pastoril. “Há três anos eu estava fazendo uma pesquisa para um filme sobre usinas de açúcar. Na rua, encontrei várias pessoas e elas, independente da classe social, só falavam de política. Vi que ali, naquela cidade de 10 mil habitantes, ainda antes da campanha, a política era muito forte”, relembra Quentin, 28 anos, que vive entre o Rio de Janeiro e o Recife, onde morou durante um período de intercâmbio estudantil na Unicap.
“Pesquisando e conversando mais com os moradores, vi também que o sistema é ainda muito perverso, porque os eleitores ficam muito dependentes dos políticos, com uma relação muito forte de clientelismo, o que leva eles a se venderem para conseguir um emprego na prefeitura ou aceitando qualquer coisa. No início comecei a escrever um roteiro com Felippe Fernandes e Victoria Alvares, minha assistente de direção e com quem sou casado, para contar uma história de ficção sobre o passado. Só que, um mês antes de começar as filmagens, voltei para mais uma pesquisa e, numa noite, vi uns meninos tocando violão e tomando cachaça. Fui trocar uma ideia com eles. Foi aí que encontrei Mayara. Fiquei apaixonado pelo carisma e a firmeza dela”, conta o cineasta.
FORMAÇÃO
Desde o início do projeto, Quentin afirma que não era desejo dele filmar uma campanha política, ou melhor, não tinha em mente seguir a carreira de nenhum candidato. Assim como muitos jovens de sua geração, ele presenciou momentos políticos que deixaram marcas, como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a chegada ao poder de Donald Trump. “Eu queria filmar os eleitores, por isso escolhi Mayara. O que é paradoxal é que eles sabiam que não serão eleitos enquanto não fizerem parte do sistema. Eu fiquei de cara quando o candidato teve 200 duzentos votos, numa cidade tão pequena, sem comprá-los. Acho que essa realidade vai demorar muito para mudar”, comenta.
Nascido em Le Mans e com mestrado na Sorbonne, Quentin Delaroche já tem um projeto em andamento em outra cidade pernambucana, com filmagens marcadas para acontecer no próximo ano, também em parceria com Dora Amorim e Thais Vidal. Uma das curiosidades da sua carreira, que já tem filmes exibidos no canal France 3, é que Quentin iniciou-se em cinema no Recife. “Eu não sabia muito bem o que queria fazer, até que comecei fazer cursos, como o Curta em Curso, de Maria Pessoa, e a Oficina Filme de um Minuto, de Alice Gouveia. Começar a fazer cinema com pessoas da minha idade, se tornou algo muito tangível”, afirma o cineasta.
O repórter viajou a convite da organização do festival.
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