Festa para celebrar história secular de Cuieiras
Povoado, na zona rural de Igarassu, promove neste sábado (6) e domingo (7) atividades para resgatar passado e tradição cultural da comunidade
![Capela da comunidade foi construída no final do século 19 / Foto: Léo Motta/JC Imagem Capela da comunidade foi construída no final do século 19 / Foto: Léo Motta/JC Imagem](https://jconlineimagem.ne10.uol.com.br/imagem/noticia/2019/04/06/normal/0e92e5120542c7f9d0a662f4b792edc9.jpg)
Capela da comunidade foi construída no final do século 19
Foto: Léo Motta/JC Imagem
Ciara Carvalho
ciaracalves@gmail.com
ciaracalves@gmail.com
O tempo em Cuieiras tem velocidade própria. Passa devagar, como se estivesse preso a uma época que não existe mais. Mas que resiste como memória, afeto e uma certa saudade. Só há duas ruas na comunidade: a Rua de Cima e a Rua de Baixo. Elas até ganharam nomes novos (Rua São João e Rua Jatobá), só que o batismo ficou restrito à placa pregada na parede. O povoado, na zona rural de Igarassu, a 35 quilômetros do Recife, não é de todo desconhecido. Nos fins de semana, a fritada de aratu do Bar de Birra, apelido da cozinheira de mão cheia dona do restaurante, atrai visitantes de tudo que é canto do Grande Recife. Mas Cuieiras vai muito além. Quem pegar a estrada de barro que leva à comunidade encontrará um pedaço rico da história dos afrodescendentes que ali viveram antes e depois do fim da escravidão. Lá no fim do século 19 e até meados do 20, o lugar era reduto fértil das sambadas de coco, de cavalo-marinho, das cirandas de roda e do teatro de mamulengo. Esse tempo anda adormecido, é verdade. Mas é essa história que não se quer deixar esquecer.
E a melhor forma de lembrar é reviver. Neste fim de semana, os mais de três séculos de história da comunidade serão festejados na segunda edição do evento Celebração Cuieiras, que reúne apresentações musicais, oficinas, projeção de filme e outras expressões culturais. A novidade é a feirinha gastronômica, baseada nas comidas à base de crustáceos retirados do mangue e feitas pelas pescadoras da comunidade.
“A intenção é trazer à tona o que existia no povoado. E que a gente acredita que não se perdeu totalmente. Segundo relatos dos moradores mais velhos, houve uma época em que, em um só fim de semana, ocorriam quatro, cinco sambadas de coco. A sambada de Cuieiras tem uma batida própria. Queremos trazer de volta essa riqueza cultural”, conta o historiador e artista plástico Odilo Brandão, mais conhecido como Firo Gravura, um dos idealizadores do evento e autor do livro Povoado de Cuieiras: história e paisagem.
Mais do que objeto de pesquisa, o historiador tem uma relação afetiva com a comunidade. “É um lugar mágico, com uma riqueza histórica e cultural maravilhosa. Ali houve produção de cal no século 19 e uma expressiva população afrodescendente, que é, inclusive, anterior à chegada dos proprietários dos sítios coloniais da região”, explica Firo Gravura. Os fornos que ainda existem, as ruínas, as edificações, as casas de taipa centenárias, tudo no povoado respira história. É a memória desse processo secular que o evento tenta resgatar, sobretudo entre os moradores mais jovens. De todas as tradições, a única que praticamente ainda resiste são as Catirinas de Cuieiras, mascarados que saem no Carnaval, passeando pelas duas únicas ruas da comunidade.
.
Nos tempos de maior efervescência econômica de Cuieiras, o local teve intensa produção de cal por conta de uma jazida de pedreira calcária. O auge e o declínio da exploração das pedreiras marcaram diretamente a vida dos moradores. Nos anos 40, com a chegada da fábrica da Poty, muitas famílias que viviam da extração caseira de cal terminaram saindo da comunidade. Foi o primeiro êxodo. Depois, com o fechamento da fábrica, já na década de 80, houve nova migração. O terceiro êxodo se dá no início dos anos 2000, com o avanço da violência urbana. Muitas casas foram abandonadas por conta de assaltos.
.
Nos tempos de maior efervescência econômica de Cuieiras, o local teve intensa produção de cal por conta de uma jazida de pedreira calcária. O auge e o declínio da exploração das pedreiras marcaram diretamente a vida dos moradores. Nos anos 40, com a chegada da fábrica da Poty, muitas famílias que viviam da extração caseira de cal terminaram saindo da comunidade. Foi o primeiro êxodo. Depois, com o fechamento da fábrica, já na década de 80, houve nova migração. O terceiro êxodo se dá no início dos anos 2000, com o avanço da violência urbana. Muitas casas foram abandonadas por conta de assaltos.
É possível sentir os efeitos do tempo, com seus altos e baixos, caminhando pela comunidade, hoje com cerca de 600 moradores. Edificações simbólicas, como a antiga casa de vivenda do Sítio Cuieiras, construída em 1910, está abandonada há 20 anos. Há o desejo de recuperar o local e transformá-lo em espaço cultural.
"ERA UMA ALEGRIA SÓ"
Enquanto a revitalização não chega, a melhor forma de conhecer a história do lugar é conversando com os moradores mais antigos do povoado. Judite Maria da Paixão, 89 anos, lembra de carregar pedras na cabeça para levá-las até os fornos ainda muito pequena. “Eu tinha 10 anos quando comecei a trabalhar. Era tudo muito diferente, tinham as sambadas, mas eu sentia vergonha de dar meus passos. Achava que o povo ia ficar mangando”, diz a senhora, hoje de raras palavras e que não consegue mais andar, após perder o pé direito.
Damiana Maria da Silva, 72, confessa sentir saudade do tempo em que Cuieiras “era uma alegria só”. As brincadeiras do passado, ela conta, eram muito melhores. “Tinham as sambadas, as pastoras, o cavalo-marinho. Os mamulengos eram para os homens, mas a gente ia assistir. Era bom demais. Na Rua de Baixo, era festona”, recorda. Feliz pela segunda edição do evento Celebração Cuieiras, ela garante que não vai ficar em casa. “Este ano vai ter de novo e eu vou brincar. Vou me amostrar”, diz, soltando uma gargalhada, no quintal de casa, ao lado do fogão à lenha e do ensopado de siri mole que cozinhava na panela de barro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário