terça-feira, 12 de julho de 2016

Mercado de pneus no centro da lavagem de dinheiro

Esquema que teve Cessna como pivô é antigo: remonta ao início dos anos 2000, com várias atividades ilegais



Tue Jul 12 06:52:00 BRT 2016 - Da Folha de Pernambuco
A queda da aeronave Cessna Citation, que vitimou o então candidato à presidência da República e ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, traz à tona um esquema muito maior e mais antigo do que se imagina. Na verdade, foi criado para lavar dinheiro e o avião é só um detalhe de um esquema internacional que reúne diversas pessoas e empresas irregulares, com atuação desde o início dos anos 2000. Atendia a vários clientes interessados em branqueamento de capital e se alimentava de recursos vindos de várias fontes, inclusive empreiteiras, e, principalmente, da importação de pneus.

O relatório elaborado pela Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros da Superintendência Regional da Polícia Federal em Pernambuco, que deu origem à Operação Turbulência, ao qual a Folhateve acesso, aponta que a aeronave encontrava-se arrendada à AF Andrade e Participações Ltda. e teve como avalista do financiamento Apolo Santana Vieira, atualmente preso no Centro de Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife, e dono das empresas Bandeirantes Pneus Ltda. e BR Par Participações Ltda.
Submundo
Pelo relatório da PF, é possível notar o papel relevante de pessoas e empresas ligadas ao submundo dos pneus no esquema. O relatório cita várias vezes a Bandeirantes Pneus e a BR Par. Mas outras também aparecem, como a West Pneus Ltda., AM de Pontes Pneus, TS Comercio Importação e Exportação Ltda. –ME, Tonimar de Araújo Ribeiro ME, todos operando neste ramo.

Chama atenção o caso da West Pneus Ltda., com sede em Goiânia (GO) e filiais em Mato Grosso e São Paulo. Apontada como empresa de fachada, ela tem no seu quadro societário a empresa uruguaia Coralfink S/, que é uma SAFI (Sociedad Anónima Financeira de Inversión), ou seja, uma offshore. No Uruguai, as offshore são conhecidas como SAFI e estão sempre prontas para serem compradas. Como se sabe, off­­shore é uma empresa constituída geralmente em paraísos fiscais, sujeita a um regime legal diferenciado, que permite a seus donos gozarem de privilégios tributários.

O curioso é que o endereço declarado pela Coralfink no Uruguai é o mesmo da de outras empresas, entre elas a “Estudio Algorta & Asociados”, escritório pertencente a Oscar Algorta, especializado em assuntos jurídicos e investimentos. Oscar Algorta Rachetti já foi denunciado e condenado no bojo da Operação Lava Jato como operador que criou a Jolmey S/A, outra SAFI, também localizada no mesmo endereço da Coralfink, a qual, segundo o relatório da PF, “teria lavado dinheiro para encobrir as vantagens indevidas adquiridas” por ninguém menos que Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da Petrobras. Cerveró foi condenado a 12 anos e 3 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato.

A West Pneus foi citada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) por emissão de títulos que totalizam R$ 361.330,15 para a Bandeirantes Comercio e Renovação de Pneus Ltda.; R$ 768.700,00 para Lagoa Indústria e Comercio Ltda.; e R$ 41.318,00 para Matteo Bologna, sócio de Apolo Santana Vieira. As movimentações ressaltam como a figura de Apolo Vieira é relevante no esquema. A Lagoa pertencia a Paulo Cesar de Barros Morato, encontrado morto no motel Tititi, em Olinda, no dia 22 de junho passado.

Em 2009, o Ministério Público Federal (MPF), em Pernambuco, denunciou à Justiça Federal 15 pessoas envolvidas com fraudes em importação de pneus novos de países asiáticos. O grupo montou uma estrutura para forjar documentos que eram apresentados à Secretaria da Receita Federal e, com isso, reduzir a incidência de tributos de importação. A prática possibilitou que, pe­lo menos, R$ 100 milhões deixassem de ser recolhidos aos cofres públicos. A pena poderia chegar a 55 anos de prisão para cada denunciado.

Foi verificado que a organização criminosa tinha seu núcleo no Recife e ramificações em Brasília, Salvador e Fortaleza, além de Miami (EUA). Entre as empresas envolvidas na fraude estavam a Alpha Trading Comercio, Importação e Exportação Ltda. e a D’Marcas Comércio Ltda. A primeira pertence a Apolo Vieira, e a segunda é uma sociedade entre ele e Matteo Bologna.

Mortes
A denúncia do MPF teve origem numa auditoria da Receita Federal, feita entre 2002 e 2005. Quando os auditores apontaram fraude tributária na Alpha, Apolo e Matteo tinham outro sócio, Rodrigo Arce. Aos 43 anos na época, ele também era alvo da investigação e geria duas firmas offshore em Miami. Em 2005, Arce despencou do oitavo andar do edifício que morava em Boa Viagem, num fato que ficou conhecido como um suposto suicídio nunca elucidado. Antes de morrer, Arce também havia sido denunciado e tornou-se réu no mesmo processo de Apolo e Matteo.

Diferentemente de Apolo Vieira, que foi preso, Matteo Bologna foi apenas investigado e levado a depor coercitivamente na operação Turbulência - que ficou marcada por outra morte polêmica, a de Paulo César de Barros Morato. O corpo de Morato foi encontrado um dia após a operação ter sido deflagrada em Pernambuco. Ele entrou na investigação da PF por movimentar grandes quantias de dinheiro e é apontado como testa de ferro de todo esse esquema que já movimentou mais R$ 600 milhões.

Morato tinha uma atuação fundamental para que o esquema desse certo. Em seu nome, estavam a Câmara & Vasconcelos, empresa que recebeu mais de R$ 18 milhões da Construtora OAS, e a já citada Lagoa Indústria e Comércio - também de fachada, que em três anos movimentou R$ 792 mil. Havia ainda a Morato Locação e Terraplanagem EIRELI-ME. Em algumas, ele era sócio oculto. Em 2007, a Câmara & Vasconcelos Locação sucedeu a Vasconcelos & Câmara, fundada em 1990. Nesta empresa, Morato era sócio oculto. A outra empresa de Morato, a Lagoa Indústria e Comércio, foi aberta em 2005 tendo Morato como único sócio. Entre 2010 e 2013 transacionou R$ 792 mil.

O procurador da República em Pernambuco, Cláudio Henrique Dias, um dos investigadores da Operação Turbulência, disse recentemente a este jornal que Paulo César Morato possuía um “papel muito importante na organização criminosa”. “Na investigação, o que temos, até agora, é que Morato arregimentava pessoas para constituir empresas e muitas delas eram de fachada, constavam como laranjas”, explicou.

Outra com atuação no ramo é a AM de Pontes Pneus, citada pelo COAF por movimentações acima de R$ 8 milhões. Antônio Martins de Pontes, morador de uma residência simples no bairro da Várzea, periferia do Recife, era seu titular. Além de executar as transações milionárias, ele manteve, segundo a PF, vínculos empregatícios com outras empresas envolvidas na operação, entre os anos de 2005 e 2015. Todas as empresas atuavam no segmento de pneus, como a TS Comercio, Importação e Exportação Ltda., Tonimar de Araújo Ribeiro ME e da Bandeirantes Pneus, de Apolo Vieira.

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